Querida Clarice Lispector
Querida Clarice Lispector,
Por muitas vezes me perguntei sobre o que eu te escreveria. Quando o faria. Porém, após a leitura do seu livro "A descoberta do mundo", me deparei com um texto intitulado "Quando chorar". Ele descrevia com muita clareza tudo o que dominava o meu coração e eu soube que não poderia ignorar esse fato.
Você escreveu que o "choro ruim" nos esgota e nos exaure, por isso devemos contê-lo. Concordo, pois a sensação que ele nos traz é de ter a alma drenada pelas lágrimas pesadas que embaçam os olhos. Discordo, entretanto, com o fato de que a melhor coisa a se fazer é sufocá-lo, porque não há nada mais doloroso que a queimação na garganta e a tentativa de mascarar uma dor que consome de dentro para fora. Ela precisa ser sentida e externada, mesmo que o resultado disso seja apenas sonolência e rouquidão após um choro incontrolável.
Muitas coisas podem nos fazer chorar, contudo, cheguei à conclusão de que o pior motivo para isso é a morte. Dizem que ela é a única certeza que temos na vida, mas isso não a torna menos aterrorizante ou suportável. Na verdade, ninguém está preparado para a chegada dela, porque a perspectiva de ter um alguém amado perdido para sempre, muitas vezes sem direito a uma despedida, é cruel. Realista, mas ainda cruel.
Sei que ninguém está isento de encontrá-la no meio dessa longa caminhada que é a vida, porém, receber a notícia de que para alguns esse confronto foi inevitável corrói o coração como ácido e transborda as lágrimas contidas, que umedecem os lábios com um amargor salino. Eu enfrentei isso. Pensei que perderia uma das pessoas mais importantes da minha vida e enlouqueci aos poucos aterrorizada por essa possibilidade. Implorei a Deus para que tivesse misericórdia. E Ele teve.
Porém, quando pensei que tudo ficaria bem, a morte voltou para me assombrar novamente. Dessa vez, levou um dos meus anjinhos com ela. Um anjinho sem asas, mas com orelhinhas peludas e corpinho rechonchudo. Inclusive, ele se chamava "Xoxonho", mas de desinteressante, como sugere o significado desse nome peculiar, ele não tinha nada.
Olhar para o cantinho da minha cama onde ele dormia e saber que não o verei novamente, miando dengoso por um carinho, me faz libertar esse "choro ruim", que esgota a minha mente e fere dolorosamente o meu coração. Me pergunto se há mesmo um jeito de seguir o seu conselho. Quero dizer, silenciar os soluços e conter as lágrimas copiosas ou, pelo menos, uma forma de superar essa dor e tristeza que tornam até mesmo um dia ensolarado em uma imagem monocromática.
Cheguei à conclusão de que não há. Pelo menos não encontrei nenhuma solução para tal questionamento, porém, continuarei a procurar. Assim, enquanto não descobrir uma forma de blindar o meu coração desse sentimento corrosivo, aprenderei a conviver com ele, ainda que eu acabe mais ferida do que se tentasse ignorá-lo.
Afinal, mesmo que os momentos ruins da vida sejam indesejados e deixem cicatrizes horrendas, eles precisam ser vividos e enfrentados como qualquer outro. A dor precisa ser sentida, porque, por enquanto, essa é a única maneira de, em um dia bem distante, talvez transformar as lágrimas em riso e a tristeza em esperança.
Por isso, Clarice, concluo dizendo que compreendo suas razões para aconselhar que nos "façamos de forte" quando a dor rasgar o peito, no entanto ainda sustento a opinião de que o melhor remédio para isso é viver a própria dor. Pois nem as maiores provações da vida são em vão e até mesmo uma cicatriz que sangrou um dia simboliza, na verdade, a marca da lembrança de que sofremos, sentimos e persistimos, mesmo sem enxergar o caminho à frente, graças às lágrimas que ofuscaram a visão. Persistimos e, finalmente, aprendemos que a morte é uma consequência inexorável da vida, que não pode ser superada, mas sentida. Somente.
Agradeço por essa simples oportunidade de exprimir no papel o que a boca é incapaz de dizer. O que o coração é incapaz de reter. O que a razão é falha demais para compreender.
Expressei em palavras o choro que os meus olhos foram incapazes de reprimir e que não me tornaram fraca por ter assumido isso. Porque senti, sofri e cresci. E esse é um ciclo que nem eu ou você, cara Clarice, somos capazes de prever, porque, de fato, há apenas uma forma de viver: convivendo e aprendendo com a imprescindibilidade da morte.
Atenciosamente,
Maria Luiza Carvalho dos Santos Recla de Jesus.
São Mateus-ES, 16 de outubro de 2022.
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