Querida Clarice Lispector

Autora:  Maria Luiza Carvalho dos Santos Recla de Jesus (Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Ensino Médio)
Texto inspirado na obra "A descoberta do mundo", de Clarice Lispector, classificado em 1º lugar no Concurso Literário 2022 do Ifes Campus São Mateus.

Querida Clarice Lispector,

Por muitas vezes me perguntei sobre o que eu te escreveria. Quando o faria. Porém, após a leitura do seu livro "A descoberta do mundo", me deparei com um texto intitulado "Quando chorar". Ele descrevia com muita clareza tudo o que dominava o meu coração e eu soube que não poderia ignorar esse fato.

Você escreveu que o "choro ruim" nos esgota e nos exaure, por isso devemos contê-lo. Concordo, pois a sensação que ele nos traz é de ter a alma drenada pelas lágrimas pesadas que embaçam os olhos. Discordo, entretanto, com o fato de que a melhor coisa a se fazer é sufocá-lo, porque não há nada mais doloroso que a queimação na garganta e a tentativa de mascarar uma dor que consome de dentro para fora. Ela precisa ser sentida e externada, mesmo que o resultado disso seja apenas sonolência e rouquidão após um choro incontrolável. 

Muitas coisas podem nos fazer chorar, contudo, cheguei à conclusão de que o pior motivo para isso é a morte. Dizem que ela é a única certeza que temos na vida, mas isso não a torna menos aterrorizante ou suportável. Na verdade, ninguém está preparado para a chegada dela, porque a perspectiva de ter um alguém amado perdido para sempre, muitas vezes sem direito a uma despedida, é cruel. Realista, mas ainda cruel. 

Sei que ninguém está isento de encontrá-la no meio dessa longa caminhada que é a vida, porém, receber a notícia de que para alguns esse confronto foi inevitável corrói o coração como ácido e transborda as lágrimas contidas, que umedecem os lábios com um amargor salino. Eu enfrentei isso. Pensei que perderia uma das pessoas mais importantes da minha vida e enlouqueci aos poucos aterrorizada por essa possibilidade. Implorei a Deus para que tivesse misericórdia. E Ele teve. 

Porém, quando pensei que tudo ficaria bem, a morte voltou para me assombrar novamente. Dessa vez, levou um dos meus anjinhos com ela. Um anjinho sem asas, mas com orelhinhas peludas e corpinho rechonchudo. Inclusive, ele se chamava "Xoxonho", mas de desinteressante, como sugere o significado desse nome peculiar, ele não tinha nada. 

Olhar para o cantinho da minha cama onde ele dormia e saber que não o verei novamente, miando dengoso por um carinho, me faz libertar esse "choro ruim", que esgota a minha mente e fere dolorosamente o meu coração. Me pergunto se há mesmo um jeito de seguir o seu conselho. Quero dizer, silenciar os soluços e conter as lágrimas copiosas ou, pelo menos, uma forma de superar essa dor e tristeza que tornam até mesmo um dia ensolarado em uma imagem monocromática.

Cheguei à conclusão de que não há. Pelo menos não encontrei nenhuma solução para tal questionamento, porém, continuarei a procurar. Assim, enquanto não descobrir uma forma de blindar o meu coração desse sentimento corrosivo, aprenderei a conviver com ele, ainda que eu acabe mais ferida do que se tentasse ignorá-lo. 

Afinal, mesmo que os momentos ruins da vida sejam indesejados e deixem cicatrizes horrendas, eles precisam ser vividos e enfrentados como qualquer outro. A dor precisa ser sentida, porque, por enquanto, essa é a única maneira de, em um dia bem distante, talvez transformar as lágrimas em riso e a tristeza em esperança. 

Por isso, Clarice, concluo dizendo que compreendo suas razões para aconselhar que nos "façamos de forte" quando a dor rasgar o peito, no entanto ainda sustento a opinião de que o melhor remédio para isso é viver a própria dor. Pois nem as maiores provações da vida são em vão e até mesmo uma cicatriz que sangrou um dia simboliza, na verdade, a marca da lembrança de que sofremos, sentimos e persistimos, mesmo sem enxergar o caminho à frente, graças às lágrimas que ofuscaram a visão. Persistimos e, finalmente, aprendemos que a morte é uma consequência inexorável da vida, que não pode ser superada, mas sentida. Somente.

Agradeço por essa simples oportunidade de exprimir no papel o que a boca é incapaz de dizer. O que o coração é incapaz de reter. O que a razão é falha demais para compreender.

Expressei em palavras o choro que os meus olhos foram incapazes de reprimir e que não me tornaram fraca por ter assumido isso. Porque senti, sofri e cresci. E esse é um ciclo que nem eu ou você, cara Clarice, somos capazes de prever, porque, de fato, há apenas uma forma de viver: convivendo e aprendendo com a imprescindibilidade da morte. 

Atenciosamente,

Maria Luiza Carvalho dos Santos Recla de Jesus.


São Mateus-ES, 16 de outubro de 2022.

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