28 de dezembro

Autora: Isadora Amábile dos Santos Fabres (Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Ensino Médio)
Texto classificado em 2º lugar na categoria "Aluno" do Concurso Literário 2020 do Campus São Mateus

Era janeiro. O ano mal começara e meu coração já estava repleto de memórias agridoces. O cheiro de café lembrava-me dele e era só nisso em que eu pensava quando li a frase que ficou cravada em meu coração: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”.

Cada letra soou como um baque surdo em meu peito e doeu. Doeu muito. Era tão desesperador saber que nunca mais te veria. Logo você. Pensei em parar de ler aquele maldito livro, mas a sensação de que aquilo poderia amenizar algo dentro de mim foi maior e decidi continuar. Em meio às memórias do defunto autor, senti mais do que saudade, senti uma vontade absurda de te contar tudo o que acontecia comigo e o universo póstumo daquele livro fez-me sentir ainda mais próxima de ti.

As lembranças daquela madrugada do dia 28 de dezembro ainda estavam frescas demais em minha mente e cada trecho lido de forma descuidada causava-me certo arrepio. O grito da minha avó ainda ecoava em meu ouvido e a visão da minha mãe apertando sua cabeça contra o peito e chorando desesperadamente enquanto repetia “meu paizinho, meu paizinho” ainda doía demais para algumas frases excessivamente realistas.

Ironicamente, aquelas linhas sarcásticas começaram a ajudar a costurar um pouquinho do meu coração.

Assim, em meio a remendos, as imagens continuavam a jorrar em minha mente e as palavras prendiam-me de um jeito diferente. Você não era amargo como o Brás Cubas, pelo contrário, era doce, tinha um jeitinho bobo e coçava a cabeça enquanto lia o jornal. O pessimismo dele contrastava com o seu otimismo, os fracassos, com suas vitórias, a revolta, com sua resiliência, e tudo aquilo que não parecia contigo, causava-me sorrisos que há tempos não surgiam.

Terminei de ler o livro com uma sensação de impotência gigantesca. Aquele tipo de impotência que a gente sente quando quer muito algo e sabe de sua impossibilidade. Queria poder te devolver a vida, nem que fosse por algumas horas, só para poder sentir-me novamente como aquela garotinha no colo do melhor avô do mundo, mas sei que não posso e o bendito (não mais maldito) livro ajudou-me a aceitar tais fatos.

Assim, não tenho pretensões de escrever diários, memórias, nem nada do tipo, para ti, mas queria que você soubesse que mamãe se parece cada dia mais contigo e chora de saudade toda vez que escuta um bem-te-vi na janela. Quanto a mim, pode ficar tranquilo que ainda pretendo transmitir a alguma criatura o legado de nossa rica miséria e toda a dor da sua perda se transformou em uma saudade leve, bonita, daquelas que a gente carrega no bolso do coração e não tem vergonha nenhuma de, vez ou outra, deixar escorrer pelos olhos.

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