A caminho

Autor: Daniel dos Santos Moura (Curso Técnico em Mecânica Integrado ao Ensino Médio)

Mais um dia de trabalho que se passa. Não sei bem dizer se é mais ou menos um dia, já que “mais” tem o sentido de adição e a grande verdade é que a cada dia tenho menos de mim numa rotina eloquentemente dura. 

O dia está chuvoso, o barulho de chuva caindo sobre cada parte fria da cidade me é perturbador, se parece com um rádio que não está perfeitamente sintonizado e, por mais que se ouça pedaços de alguma programação, predominam-se chiados desordenados.

Ponho-me, agora, a ir para casa num caminho relativamente curto e ao mesmo tempo infinito. Eu, quando saio do ônibus, certamente sou bem diferente daquele que gira a chave para adentrar minha casa. Talvez, se minha casa fosse no ponto de ônibus, eu seria um ser deprimente. 

Atravessar a rua é, para mim, um tanto quanto irônico. Olho para dois lados, quando minha intenção é apenas seguir em frente e, em seguida, me convenço de que posso atravessar e, heroicamente, não desisto da ação que pode me levar a uma morte dolorosa. Mas sempre me vem a seguinte pergunta: se convencer e desistir não seriam a mesma coisa? Se convencer é desistir de provar a si mesmo que o contrário é a melhor opção e desistir é se convencer de que não vale a pena continuar. De qualquer forma, atravesso a rua. 

Em me terceiro passo após chegar à calçada, piso numa poça d’água. Meu tênis logo se veem encharcados. Penso no fato daquele dia ter sido inteiramente chuvoso e, consequentemente, uma boa parte dos “chãos” que pisei que pisei estarem molhados, mas justo no momento em que estou prestes a chegar em casa molhei meus calçados. Sou então tomado por uma espécie de desespero diante da ilusão da iminência. Lembro-me das coisas que eu eminentemente aproveito, mas não de fato aproveito; das pessoas que eminentemente amo, mas não de fato amo; das oportunidades que eminentemente agarro, mas não de fato agarro. Vejo, naquele momento, que, assim como meus tênis estavam na iminência de chegarem secos em casa, minha vida está na iminência de plenitude, todavia não é plena. 

Seguindo meu caminho, me deparo com a conflitante cena de urubus disputando restos de alimentos que estavam no lixo e, bem próximo, um cachorro de sua que aparentemente não abriria mão daqueles restos, mas mesmo assim não ousa entrar na briga. A apatia daquele cão me chama a atenção. Sua fome lhe daria coragem para buscar alimento, mas a mesma lhe traz a desesperança de consegui-lo. Dolorosamente, se calar parece a melhor alternativa, pois que inquietação é mais agoniante, e de seu estômago, ficando ali estatisticamente vazio, ou a de sua alma, ao se lançar numa disputa violenta? Não me vi diferente daquele cão, ao me lembrar de muitos dos anseios que carrego. O cão tinha fome, eu tenho medo. Eu tenho fome de acabar com meus medos e o cão talvez tenha medo de não acabar com sua fome.


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