A galinha

Autora: Fernanda de Jesus Santos (Curso Técnico em Mecânica Integrado ao Ensino Médio)
Texto inspirado na obra "Laços de família", de Clarice Lispector 

Certo dia, queriam me matar, sim queriam me pôr na panela e me comer como faziam com as outras aos domingos de manhã. Pensei em alternativas para fugir, eu estava me sentindo oprimida e de forma alguma queria perder minha vida. 

Então resolvi sair correndo pelos telhados da vizinha, não sabia exatamente o que estava fazendo, mas qualquer coisa seria melhor do que a morte naquele momento. Em pulos desequilibrados e mal organizados, fui de telhado em telhado salvando a minha vida, e quando achei que estava longe percebi que aquele maldito homem estava a me a assombrar em busca de minha captura, fiquei tão agoniada que não consegui sair do lugar e acabei me rendendo. 

Chegando de volta ao lar que traria o fim de minha vida, encontrei uma menina doce ao observar que seu pai me carregava de forma grosseira. Fui jogada em um canto qualquer, e ao ver aqueles olhos tão assustados, botei um ovo! Assim começa minha história, e você se pergunta: Galinha tem história? 

Em um vilarejo, eu estava no meu poleiro pensando o que fazer para não perder nenhum de meus pintinhos, quando de repente uma mão firme pega pelo meu pescoço e depois pelos meus pés, e eu sem entender nada sou levada como um objeto para ficar longe de meus pintinhos. Confesso que cacarejei para explicar que eu precisava cuidar de meus filhos, mas os humanos não entendem. 

Algumas horas se passaram e eu estava em um carro cheio de outras galinhas, que também estavam se sentindo mal e foram tratadas como objetos. Mais tarde fui levada a um lugar estranho, existiam barracas e muitas frutas e produtos comumente rurais. Depois de um tempo eu descobri, aquele lugar se chama feira. 

Após a minha descoberta, um humano me pegou e me apalpou, deu dinheiro ao meu suposto dono e me levou como um objeto, me segurando pelos pés. 

Chegamos a um lugar diferente, não sabia se era bom ou ruim, mas sabia que ali seria meu novo lar. Me colocaram em uma gaiola, como se coloca um passarinho e me deixaram lá com água e milho. 

No dia seguinte me soltaram, andei um pouco, mas estava muito desconfiada. Como uma galinha esperta, eu tinha certeza de que estava correndo perigo e logo pensei em como fugir. Não consegui pensar em nada de imediato, mas em alguns minutos vi o homem com uma faca enorme vindo em minha direção e eu saí correndo! Infelizmente, não havia nada planejado para minha fuga e nem sabia por onde ir, mas com muito esforço eu pulei um muro baixinho e saí pulando de telhado em telhado.

Em cada pulo, eu pensava em como minha vida estava em perigo, me senti anestesiada por não saber o que fazer para me poupar daquela morte tão horrível! Além disso, estava com saudades de casa, preocupada se alguém estava cuidando dos meus pintinhos, e quando surgiu uma esperança de fugir de uma vez por todas, o homem me alcançou e me segurou. Eu não sabia que ele estava a me perseguir, mas sabia que aquele momento era o fim de minha vida e mais uma vez fui levada como um objeto, segurada pelos pés. 

Chegando à casa, fui jogada com violência em um canto, estava tão nervosa que comecei a cacarejar reivindicando meus direitos de galinha, eu mereço respeito por ser um ser vivo. Então uma menina linda e doce veio me observar, e quando seu pai (o homem que me capturou) chegou perto, eu acabei pondo um ovo. Ainda estava prematuro, talvez ele não estivesse em condições de ser tornar um pintinho, mas foi o que mais me devolveu a minha realidade e como uma boa galinha eu esquentei ele com as minhas penas, para que ficasse aconchegado. 

E esse ocorrido foi o ápice do meu sucesso contra a morte, a doce menina disse ao pai que não era justo me matar! Ah, se ele soubesse de todos os meus pintinhos deixados em minha casinha, acho que estaria muito feliz naquele momento. Mas de qualquer forma eu ainda estava nervosa. Enquanto chocava meu pintinho, fiquei abotoando os olhos para ver se acordava de um pesadelo, estava me sentindo oprimida e não tinha mais motivos para para viver se não fosse pelo meu ovo prematuro. Eu sabia que morreria depois, aquele homem mentiria para sua filha e me serviria no jantar. 

O dia terminou, e ao amanhecer a doce menina veio acariciar minha cabeça e eu agradeci, mas como os humanos não me entendem, a menina achou que o meu cacarejar era sinal de irritação, e não era! 
Comecei a andar um pouco para que minhas pernas relaxassem, e tudo parecia diferente, os pais da menina me trataram bem e me acariciaram, e todos que chegavam à casa se encantavam comigo. Percebi que a morte havia se distanciado de mim, e talvez eu estivesse ficado em segurança.

Os dias se passaram e eu estava sendo cuidada, não sabia se era por conta do ovo que estava sendo chocado por mim, ou se eles queriam me engordar para me matar. O que sabia é que estava de fato ganhando um lar de verdade, com carinho, comida, atenção e um filhotinho. 

Eu realmente estava certa, parei de me sentir um objeto, pois estava sendo cuidada, me colocaram em uma casinha na varanda, com cobertores e tudo que poderia me deixar quentinha. Me levaram pra passear e me colocavam na sala para assistir à televisão! Me transformaram de galinha da janta, para membro da família. O ovo estava amadurecendo e eu estava pronta para receber um pintinho lindo, ganhei lacinho pra pôr na crista e recebi até um nome, estava realizada, mas sentia muita saudade de meus pintinhos, que pelo tempo já se transformaram em frangos. Estava amparada, mas não em casa, sem contar que via muitas injustiças que os humanos cometem uns com os outros e até mesmo na família, e esses ocorridos doíam muito em mim, porque se os humanos fazem certas coisas com eles que são de mesma raça, imagine o que fariam comigo que sou uma galinha. 

Cuidaram de mim por um longo período, eu conseguia dormir normalmente, mas ainda estava oprimida, sentia saudades do meu verdadeiro lar, mas sabia que deveria me acostumar com aquilo. 
Muito tempo se passou, eu passei a esquecer aquele destino horrível e a me acostumar com o meu lar. Vi que aquelas pessoas não queriam me machucar, me senti amada e acolhida, ganhei carinho, respeito e parei de ser um objeto e um ser oprimido. 

Em um dia comum, eu estava ciscando pela varanda quando um homem diferente chegou, me apalpou de forma grosseira e mais uma vez me tornei um objeto. Cacarejei reivindicando meus direitos, mas os humanos não me entendem e na visão deles, galinha ou os animais não possuem direitos pois não somos iguais a eles, mas como um ser vivo eu merecia respeito! 

Pegaram meu ovinho prestes a chocar e colocaram em uma panela com água fervendo, me pegaram pelo pescoço grosseiramente, e fui novamente em direção à morte.

Me senti um objeto, me senti iludida por receber tanto amor, a menina de aparência doce não estava ali, o pai dela foi o homem que me enganou e me pegou de forma grosseira. 

O homem que estava ao lado era provavelmente o avô da menina doce, e num piscar de olhos arrancaram parte de minhas penas. Foi doloroso, foi grosseiro e rude! Como um ser humano poderia “amar” alguém e maltratar esse ser vivo? Mas já era de se esperar, vi muitas vezes o homem cuidar de sua esposa e depois maltratá-la como se ela não fosse digna de seu amor, já esperava que eu, uma galinha, poderia ser maltratada da mesma forma.

Me jogaram no chão e fecharam as portas e janelas, cacarejei e corri para todo lado, foi a manhã mais desesperadora de minha vida, a mulher tentou impedir minha morte, mas o seu esposo de diversão dos humanos, me apalparam mais uma vez, e como se eu não significasse nada, quebraram meu pescoço e ali foi o fim de minha vida. 

Mataram-me, fizeram comigo o que os humanos fazem uns com os outros, matam a preço de nada, matam incapazes. E de forma mais grosseira me depenaram e me serviram no almoço, junto com o ovo prematura, me usaram, mentiram para mim e eu acreditei, meus pintinhos ficaram de uma vez por todas sem uma mãe, meu ovo prematura não foi chocado por completo e o pior de tudo foi que perdi minha vida. A frase que mais me doeu foi o que o homem disse: “Galinha, me desculpe, eu amo você, mas isso será necessário”. E esse é o amor que muitas galinhas ou até mesmo seres humanos reconhecem ao fim de sua vida.

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