A menina

Autora: Luísa Pezzin Sampaio (Curso Técnico em Mecânica Integrado ao Ensino Médio)

De repente tudo para, congela e te espalha. Mudança repentina que causa medo e espanto, talvez se fosse algo esperado, ela até teria se preparado; mas mergulhou no novo desconhecido. 
Na festa de despedida do verão, recepção da primavera, a menina via seu mundo florir e sorrir, fazendo planos já para o próximo feriado com os amigos. Mas algo não ia bem. Sorrateiramente, ele se espalhava e disseminava tristeza, luto e comoção. Como pode algo imperceptível a olhos nus ser mais fatal que bombardeios? Ela não sabia. Ninguém sabia.
O desconhecido espanta, afasta e acanha. Ao chegar em casa após um dia ensolarado e fresco, a menina liga a televisão, aumenta o som do rádio, passara na banca da pequena cidade que morava e compra seu jornal matinal, nada fora do costume. Porém, as capas onde antes eram recheadas de modelos e cortes de cabelo, as matérias do jornal da cidade, a fofoca da vizinhança, nada era mais o mesmo. Haviam desaparecido, tudo muito rápido, assim como aquele que agora ocupara tudo e se alojava em sua mente. Medo.
Começou a menina a entender o que era esse intruso, que nem aviso enviou para dizer que chegaria e mudaria nossas vidas para sempre, que falta! A ideia de que uma nova doença chegaria até sua pequena cidade parecia algo muito distante, motivo até de piada; ah se ela soubesse...
Disseram que seriam apenas 15 dias, 360 horas lentas e ansiosas. Durante a isolada quinzena, tentava ocupar-se para não pensar, não deixar todo medo e confusão domina-la. Seu pai a alertava: “Menina, não se anime. Estamos vendo apenas a ponta do iceberg, ainda temos muito para enfrentar”.
Cada dia que se passava, um pouco de sua esperança se desfazia. Viver no incerto, em meio a um caos sem resposta, era amedrontador. O que antes se entendia como “pequeno recesso, apenas por precaução”, agora era prisão. Isolados e sozinhos. As conversas on-line usurparam o lugar das rodas de amigos, onde as histórias se prolongavam até o amanhecer. Abraços e beijos substituídos por imagens geladas. Seria este o cenário de um filme futurístico de ficção científica ou do jornal da manhã?
Virava constantemente as folhas de seu calendário, perdida na noção de espaço-tempo. Com o vir e ir dos dias, o sentimento ainda era o mesmo, indescritível. Trancafiada em casa, com medo daquele que ela não podia ver, a menina aproveitou o tempo para pensar, apenas ouvir a si mesma. Boa parte do tempo se sentia egoísta e impotente, vendo tanto caos acontecendo e ela apenas ali, sentada, concentrada e ao mesmo tempo deslocada.
“Por que?” era a palavra que insistia em rodear seus pensamentos. Por que aquilo estava acontecendo? Para alguém que sempre acreditara no propósito de tudo e todas as coisas, ela não conseguia encontrar um para o caos que assolava o mundo. Um dia amigos estão em nossos lados, e no seguinte empilhados em caminhões como se fossem mercadoria barata. E ela apenas ali, incapaz até mesmo de imaginar a dor da perda, perda sem despedida, sem abraço final, sem rosas finais.
Muito cuidado era tomado por sua parte, mas infelizmente nem todas as pessoas acreditavam na existência do grande vilão; negacionistas e hipócritas. Será que a noite conseguem repousar suas cabeças, tranquilos, sem o peso da culpa de estar disseminando a morte por aí? A menina nunca saberá.
Meses se passaram, números aumentam e diminuem, em uma espécie de looping que parecia não ter fim, as estações mudaram, e ela até ficou mais velha! A vida ia seguindo um pouco mais serena, tentando se adaptar ao que por muitos era conhecido como “novo normal”, até que em uma quarta-feira, as vésperas do natal, uma sensação de cansaço é sentida pela menina; o bolo de sua mãe que antes era tão apetitoso agora não parecia mais o mesmo. Com todos os presentes já no porta malas do carro, prontos para serem entregues na ceia de natal na casa de sua tia, os planos precisariam mudar.
Seu pai também não se sentia muito bem. Ela já sabia o que poderia ser. Febre, cansaços, falta de paladar... tudo apontava para aquilo (não gostava nem de falar seu nome, pois palavras, quando ditas, dão a impressão de realidade).
Seu estado foi piorando gradativamente a cada dia. O pai da menina, que antes fora tão forte e cheio de esperança, se via com medo, aflito. Os médicos diziam que estava tudo indo bem, nada com o que se preocupar.
A virada de ano foi repleta de figuras vestidas de branco, no espírito festivo do início da nova década, médicos e mais médicos. Nada mais fazia sentido, como alguém jovem e saudável se encontrava em estado tão debilitado? Confusão era aquilo que ela mais sentia, quando de repente tudo se foi lentamente se transformando em um borrão, e escurecendo, perdendo o brilho...
Desde muito nova, a menina almejava ganhar um buquê de flores, quem sabe até mesmo de um admirador secreto, um futuro amante ou em uma festa de casamento de suas amigas. Nunca imaginou que receberia seu primeiro com mão sólidas e frias.
A vida não vem com um prazo de validade, não há programação nem horário para terminar. De surpresa, todos viram seus pais, amigos, amores eternos ou até mesmo o vizinho antipático terem suas vidas validadas, encerradas. Seria da natureza humana dar valor para o ar que se respira apenas quando ele se esvai dos pulmões dos por eles amados?
Uma menina, com expectativas, medos, sonhos e inseguranças. Apenas uma menina, uma entre centenas de milhares. Uma história entre milhões, queimadas ou enterradas, mas para sempre apagadas.

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