Amigo hipotenusa

Autor: Gustavo Alves Lima (Curso Técnico em Mecânica Integrado ao Ensino Médio)
Texto classificado em 3º lugar no categoria "Aluno" do Concurso Literário 2019 do Ifes Campus São Mateus

No rebuliço do dia dia, as ruas que frequentemente ficavam vazias lotavam no horário de pico. Entretanto, a dimensão de “estar lotado” varia conforme o tamanho da cidade. Aqui, significa que a cada minuto passam dois carros, sendo um deles um carro popular e o outro um ônibus empoeirado. Nos automóveis, a sujeira nas placas obstruía a visão de boa parte das letras, isto é, quando as tinham. 

Se esperamos bem, conseguimos observar uma senhora indo na farmácia em suas veste finas com estampas floridas, que balançam com o vento seco; ou um bêbado a vagar descalço, com a camisa amarronzada aberta e uma garrafa vazia na mão. Vez por outra, grupos de três a quatro crianças passavam no meio da rua em seus uniformes nas cores branca e azul, saindo da escola, a conversar sobre algo totalmente aleatório ou a chutar um amassado de papel com fita adesiva que comumente chamavam de bola. Suor escorria pelo rosto das pessoas, reflexo da atuação do sol que, já a pino, aquecia os corpos e os blocos hexagonais que calçavam a rua. 

Nessa relativa multidão, o olhar de alguém aparentemente avulso no final da calçada me fixa o mesmo como os pólos opostos dos irmãos se atraem: uma força invisível, mas tão forte quanto existente. Os rostos travam naquela direção: o grande sinal do reconhecimento. 

Com o olhar, uma série de hormônios que são estimulados pelo cérebro atingem a corrente sanguínea, obrigando as sobrancelhas a se levantarem e as pupilas a se dilatarem, como se o indivíduo estivesse exposto a uma redução significativa da intensidade luminosa. Pelas pupilas escuras, janelas para o cérebro, pensamentos parecem percorrer a mente do jovem, à procura de visualizar um tempo e um espaço distante. 

No rosto, a aglomeração de células hemoglobinadas pouco a pouco tingem a sua face curva como os mares de morros em tons que variam do rosa ao vermelho. A clara demonstração de que a presença de ambos próximos no espaço era um evento inesperado. 

O coração, já acelerado, bombeia o sangue a uma pressão absurda, parecendo estar destinado a estourar os tímpanos. Sangue corre nas veias como o magma percorre o solo após uma erupção vulcânica na chuva, aquecendo cada membro do corpo, com aqueles ligeiros calafrios. 

Em ambas as mentes, uma sequência histórica com fragmentos dos grande momentos de guerra, descobertas e aventuras que somente duas crianças livres poderiam saber. 

Essa série de pensamentos e movimentos acabam que, atuando como a força de empuxo, faz emergir nos rostos um sorriso. A mais alta e longa demonstração de afeto que aquele que foi hipotenusa do triângulo retângulo das interações sociais poderia demonstrar. 

Naquele sorriso, centenas de expressões foram pronunciadas como as sementes que são liberadas ao vento de uma vagem seca, sem uma única palavras. Um “oi”, “tudo bom?”, “Que bom te ver de novo!”. Condensando as lembranças e a saudade de grandes amigos de escola. 

Curvando o rosto, o indivíduo olha para os dois lados, esperando um ônibus empoeirado passar, para então atravessar a rua. Eu olho para a frente e sigo o meu caminho, ainda sorridente. No coração, a saudade; na mente, a recordação das palavras expressas, mas não ditas. 

Um sorriso, mil caracteres. 

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