Cinco e quarenta e pouco

Autor: Lucas Baleeiro Nascimento Rodrigues (Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Ensino Médio)

Verdade é que o fim do dia carrega algum incomum, e este dia não foi diferente. Os raios de sol davam lugar ao céu avermelhado, a esse ponto não saberia mais dizer se era dia ou noite. O instante exato de transição: cinco e quarenta da tarde. Como de praxe, estava esperando o ônibus. No momento, a única coisa que precisava era descansar. Os ombros curvilíneos, olhos pesados, o corpo já não respondia mais por si. Na esquina o ônibus assoma. Cinco e quarenta e dois. 

Ao subir os degraus, sinto um efeito maior da gravidade em meu corpo. O ranger das chapas de ferro sob meus pés misturado com o som da rouca voz do motorista ao dizer “Boa tarde!”. O tempo parece parar quando, sem pensar, meus lábios se movimentam. “Boa noite!”. Mais uma vez sou levado ao impasse temporal. Talvez nos pensamentos daquele velho homem de cabelos grisalhos, tenha parecido faltar educação, mas é simplesmente uma questão de percepção. Um dia fadigoso leva-me a desejar descansar, assim como um dia tranquilo leva-me à disposição, até mesmo durante a noite, quando parece ser dia. O tempo é relativo. Cinco e quarenta e três, para mim. 

Bebê. Criança. Adolescente. Jovem. Adulto. Idoso na cadeira preferencial. Adentro em busca de uma aventura. Escolher um lugar para sentar parece-me oportuno para desenvolver um diálogo, conhecer gente nova. Encaro cada olhar, desde os olhos arregalados do bebê, aos enrugados do vovô. No balanço das rodas do ônibus pelas ruas da cidade, vejo-me, mais uma vez, em uma situação de indecisão. É quando percebo que, talvez seja mais divertido ser a vítima, ser escolhido por alguém. Assento-me no último banco, sem ninguém ao meu lado. 

Naquela lata velha que costumam chamar de transporte público, entre algumas paradas e músicas alternadas no meu fone esquerdo, observo as pessoas indo e vindo. Entrando e saindo. Nesse fluxo contínuo e quase que monótono, ouço um andar vindo em minha direção. Levanto o rosto, encaro. Os olhos marejados exalam um olhar suave e tranquilo, que fitam o sol a se pôr, até que se voltam para mim, como quem quer dizer algo, um segredo. Como cúmplice de um assassinado. Como luz no fim do túnel. Como a esperança de encontrar ajuda. Como a vontade de gritar, expressar-se. Nossos olhos encontram-se por questão de segundo, quando sua boca se revira em um sorriso meio tímido. O olhar é desviado e os lábios cerrados, como quem é impedido de algo. Um remanescente raio de sol reflete seus cabelos castanhos, da mesma cor de seus olhos. Meus pensamentos tornam-se convictos quando suas longas pernas tomam mais um passo em minha direção: fui o escolhido. 

Mil coisas se passam em minha cabeça, mas tudo me parece algo muito pessoal para perguntar a um estranho no ônibus. Observo suas roupas: Um moletom preto e uma calça jeans. Não me parece dizer nada. Os fones em seus ouvidos tornam impossível a ideia de uma conversa, apesar do motivo daquele olhar me intrigar. Seria aquele um olhar de felicidade por ter encontrado uma resposta? Talvez um simples olhar de compaixão, ou de admiração. Mas nada impede ter sido um simples olhar. Há milhões de possibilidades, e todas elas passam por meus pensamentos. Seria alguém em busca de consolo? Um amigo? Ou talvez o sorriso seja um descarrego de energias negativas. Mas também pode ser um sinal, algo como nos filmes de romance, quase que um flerte. Perco-me nas minhas perguntas e quase não percebo quando o fone cai de seus ouvidos. A música é parada. Minha chance de talvez descobrir a motivação daquele sorriso. 

“Que horas?” falo sem pensar. Seu rosto desenhado vira-se em minha direção. Por alguns segundos penso que minha tentativa foi inválida. “Cinco e quarenta e poucos”, sua voz traz um tom de tristeza e desespero à frase que é interrompida pelo sinal do ônibus. Na próxima parada, tal desespero torna-se físico ao levantar da cadeira e sair correndo até as escadas. Por um relance, posso perceber que uma lágrima escorre em suas grandes bochechas. 

Olho meu relógio: Cinco e quarenta e nove. Há quatro minutos, foi instigado por aquele sorriso. Agora, por uma lágrima. Todas as oportunidades de aventurar-me em uma nova conversa se foram junto com o desespero daquele ser, mas aqueles quatro minutos de pleno silêncio fizeram-me perceber que a aventura está no mistério, como em uma série de televisão, que resolve seu impasse em um episódio, mas sempre deixa outro no final, essa é a graça. A história não está nas respostas, mas em como chegar até elas, ou seja, nas perguntas. Por um tempo pensei que puxar assunto e estabelecer uma conversa seria a melhor forma de me comunicar, mas nem sempre é assim. O silêncio também é um diálogo. Dentre as diversas formas de comunicar-se, as perguntas também nos transmitem informação. Nesse caso, as perguntas estavam em silêncio. Meu engano estava em pensar que uma conversa traria à tona a história daquele ser, quando na verdade, sua história comigo foram aqueles minutos. São como retas concorrentes que se encontram em um único ponto, e os quatro minutos que se passaram foram o nosso ponto de encontro. Em minha percepção, passaram como uma eternidade, mas para aquele ser, parece ter passado bem rápido, quase que imperceptível. “Cinco e quarenta e poucos”. Aquela fala trazia uma sensação de alguém que não vive preso ao tempo. O tempo é relativo.

A noite cai, meus olhos quase fechados, o cansaço toma conta de mim, mas a necessidade de escrever é maior. Ainda há um longo caminho até meu destino final, mas antes que tudo que se passou fuja da minha cabeça, pego uma folha de papel e escrevo na primeira linha, largo sobre o silêncio e como ele pode falar: “Cinco e quarenta e poucos”. 

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