Devaneios do meio da tarde

Autor: Bernardo Colonna Souza (Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Ensino Médio)

Sempre tive aversão a sair de casa para comprar roupas e penso que isso é totalmente justificável pelo fato de saber que para essa tarefa é preciso passar longos minutos, ou até horas, experimentando várias peças, ficando indeciso em relação a tamanho e cor e talvez nem às comprando. 

Desde muito novo já manifestava reação negativa ao convite de familiares quando o assunto era ir até uma loja para escolher esse tipo de presente, pois viria junto a chatice de experimentação. 

Essa semana, ao sair de uma consulta, precisei acompanhar minha mãe a uma loja para a troca de uma blusa, então começa aí minha profunda observação. Estava eu sentado em um Puff, dentro de uma boutique de poucos metros quadrados no centro de São Mateus. Ali do meu canto, observava a movimentação a meu redor enquanto minha mãe trocava a roupa que havia comprado a alguns dias. 

A loja era repleta de cabides em todos os cantos, cheios de roupas femininas de preços e estilos variados que pareciam chamar a atenção de quem passava na calçada à frente, já que de tempos em tempos o local ficava cheio de clientes. Havia pessoas sozinha e famílias de adultos e crianças, entre outras combinações. 

As funcionárias se dedicavam a dobrar e guardar roupas, enquanto ajudavam os clientes, indicavam a direção dos provadores e às vezes tapavam o rosto com a mão, evitando os raios de sol que entravam pela vitrine naquele fim de tarde. A música que emanava dos alto-falantes parecia agradar a quase todos, menos a mim. 

Após uns vinte minutos de permanência no meu assento bege de couro sintético, percebo uma predominância de casais entre os fregueses. Uma moça de cabelo castanhos repousava sobre si uma blusa estampada ainda presa ao cabide enquanto perguntava ao homem próximo a ela: 

- Ficou boa em mim?

O rapaz confirmava e balançava a cabeça afirmativamente. Este tinha cabelo, barba e camisa quase que igualmente pretos e calça cáqui, aparentando estar apressado. 

A julgar por suas roupas e pelo horário de aproximadamente 15h50min, estaria saindo do trabalho. 

Mais próximo de mim, que agora estava imerso em tentativa de descobrir o que cada um ali pensava, estava um casal bem mais jovem que o anterior, tinham no máximo vinte anos de idade. Ele usava bermuda, chinelos, boné e, mesmo com aquele calor, um casaco moletom. Ela parecia entretida entre os emaranhado de araras, usava calça jeans, sandálias comuns e blusa predominantemente branca. Tirava fotos e juntava as peças que tinha intenção de provar. O rapaz sentou-se no Puff ao lado do meu, tirou um celular do bolso e ali depositou sua atenção. Não sei até que ponto isso é normal ou saudável, mas meu olhar caiu sobre a tela do seu aparelho e ali ficou compenetrado, observando seu polegar rolar conversas, selecionar gravações de áudio e fotos, com uma das mãos apoiando o queixo sob a perna. Sua expressão era natural, mas em poucos minutos se tornou uma demonstração de tédio disfarçada. 

Antes de sair do estabelecimento, guardando o cupom fiscal referente à troca, no bolso, olhei novamente para dentro, focando os clientes que ali estavam, mais especificamente os homens. Nenhum deles aparentava satisfação com a ocasião. Mas outros já manifestavam inquietação, como o homem de calça cáqui. Nada mais parecia ser tão importante para ele, como sair logo dali. 

O rapaz de boné me chamou a atenção de forma que um riso se formou em meu rosto involuntariamente. Quando este percebeu que sua namorada ajudava a funcionária a guardar aquele emaranhado de roupas recém pagas em diversas sacolas, adiantou-se para carregá-las, levantando-se de onde estava sentado num quase salto, já na porta, indo em direção à calçada, sua expressão de tédio havia sumido, esta atora dava luga a um vazio. 

O pobre rapaz, provavelmente estivesse discutindo consigo mesmo o porquê de continuar naquela situação, ou pensando qual time ganharia o campeonato brasileiro de futebol ou que comeria naquela noite. Tudo isso enquanto sua companheira fala com entusiasmo das compras, sem perceber que seu namorado estava quase em outro mundo, como de costume, à final, ele é um homem como muitos. 

Completamente reflexivo no caminho de volta par casa, passava pela minha frente todo o ocorrido no interior da loja, diante de tantas perguntas sobre cores, tamanhos e marca, o que me remeteu a minha intolerância, mas também constatei que pode ter algo ainda mais tedioso que isso, o papel de acompanhante de compras.

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