Dois universos: um apenas

Autora: Ana Clara Santos Mauri (Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Ensino Médio)

Era a última página, e eu havia acabado de ler. Era a hora de sair daquele universo particular descrito em algumas folhas. Então fechei o livro e fui escovar os dentes, preparando-me para ir dormir. A história retratada era sobre uma garota que depois de sofrer assédio, estupro, perder amizades e negarem ajuda para ela, cometeu suicídio, por uma overdose de remédios. 

De repente, cheguei à conclusão que o universo descrito naquele livro não era nada diferente da realidade em que eu vivia. Quantas vezes eu li artigos sobre milhares e milhares de pessoas que se suicidam todos os anos? E pior, os motivos sempre parecem ser os mesmos: família, depressão, falta de ajuda, traumas, amigos, namorado, não aceitarem a pessoa como ela é, ou até casos mais extremos, como o bullying e estupros. 

Sim, me lembro bem nas páginas daquele livro, com trataram a personagem mal, ligaram apenas para a aparência, não para o que ela sentia, sobre como chamavam ela de dramática, sobre a mudança de cabelo e de personalidade, sobre os vários pedidos de ajuda em gestos e palavras simples, que as pessoas até percebiam, mas ignoravam. 

A essência da protagonista me fazia lembrar de uma antiga colega minha, que havia se suicidado. Todos a chamavam de perfeita, mas ela sempre negava que não. Semanas antes dela se suicidar ao pular de uma ponte, suas crises de ansiedade ficaram mais recorrentes, ela não prestava mais atenção às aulas, suas notas baixaram drasticamente. Mas nós não fizemos nada. Me recordo ainda, de que, quando ela se matou, alguns falaram que foi drama, e que ela não tinha nem motivos para isso. Naquele momento, cheguei até a concordar, mas agora, não. 

Por isso que eu sempre amei ler, dos poemas até os romances, tudo me fazia refletir um pouco mais. O problema das reflexões, é que elas vêm como uma tapa na nossa cara, e estava doendo. Qual a diferença entre a realidade em que eu vido e a que foi inspirada nela? Nenhuma. A personagem havia botado a culpa em 13 pessoas, mas pensando bem, a culpa não é de nós todos? Ao pregar palavras de ódio em redes sociais e pessoalmente, ao propagar fofocas e boatos, ao diminuir a pessoa para se achar superior, em gestos mínimos demonstrando que não nos importamos, nós estamos contribuindo para ações desse tipo. 

Nesse súbito momento de tristeza, pensei em como as pessoas pregavam ajudar umas às outras, mas o máximo que faziam era ficar com pena, e nada mais por conta de uma falta de intimidade ou “ela consegue resolver sozinha”. E ao dizer “as pessoas”, eu também me refiro a mim. Pensei em como sempre fui tão egoísta. Ao ouvir alguém chorando por algum motivo, pensava em como esse problema era tão minúsculo, que para resolver isso era só sentar e relaxar, ou até que não precisava daquele drama todo. “Eu estou com um bilhão de coisas pra aguentar e problemas para resolver, mas nem por isso fico lamentando pelos cantos”. Com fui capaz de enxergar apenas meu próprio nariz? 

Estava sendo hipócrita, ao odiar o personagem que ignorava todos os pedidos de ajuda à protagonista, mas tendo ações parecidas. Comecei a chorar, tinha percebido o quanto podemos ser ignorantes aos sentimentos alheios e quais podem ser as consequências disso. Eu nunca tinha entendido direito esse gosto que ela tinha por ajudar os outros até o limite, mas depois disso, tive uma vaga ideia. Me coloquei no lugar dela, e amorosa como ela era, iria evitar o máximo para que qualquer outra pessoa não fizesse o que ela fez. Porém, infelizmente, nós só entendemos a necessidade de ajudar o outro quando acontece com a gente ou com alguém que gostamos. É o famoso “aprender da pior forma”. 

Quantas pessoas morreram do mesmo jeito por uma falta de ajuda? Por um “fulano só quer chamar atenção”, quando a pessoa realmente quer chamar atenção para esse problema? Quantos suicídios teriam sido evitado se nós, como humanidade, tivéssemos trabalhado mais a solidariedade e parado de olhar para os problemas dos outros como besteiras? Como eu, um simples ser humano no meio de tantos bilhões, poderia mudar isso? 

Terminei de escovar os dentes e limpei minhas lágrimas, voltei ao meu quarto, arrumei a cama, e botei tudo que pensei naquele momento em um papel, que estou escrevendo agora. Várias ideias se passam na minha mente, para me conscientizar e conscientizar os outros, e a primeiro momento, uma crônica é a melhor coisa para fazer refletir. Eu sei o quanto é difícil mudar os costumes e pensamentos das pessoas, mas não posso desistir, é importante ajudar os outros independente de tudo, se isso significar salvar uma vida e também inspirar o outro a ser mais gentil. Venho por meio dessa crônica, tentar despertar a empatia de quaisquer pessoas que estiveram lendo, porque qualquer vida é importante, e toda vida vale a pena. 

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