Universo da inspiração

Autora: Mariana Zani Chiabai (Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Ensino Médio)
Texto Inspirado na obra "Dom Casmurro", de Machado de Assis, classificado em 2º lugar categoria "Aluno" do concurso Literário 2018 do Ifes Campus São Mateus

Já era noite quando Dante Quintana se sentou em frente à sua escrivaninha e tomou a folha de papel em mãos, sem saber o que deveria fazer.

Quando seu pai, que trabalhava na faculdade de El Passo, o convidara para participar da exposição artística que fariam, o garoto havia aceitado esperançoso. Mesmo que não parecesse algo tão grande ou extraordinário, sabia que seria um grande passo para si, que até pouco tempo atrás se recusava a mostrar seus desenhos para qualquer um, mas sonhava em ser artista. 

A arte fazia parte de Dante desde que ele era capaz de se lembrar, fosse através dos rabiscos infantis, das histórias inventadas, de todos os livros de poesia e aventura lidos ou da arte visual, uma forma de expressão que o garoto havia dominado tão bem quanto as palavras, porém era íntima demais para ser compartilhada. 

Entretanto, não importava o quão grande fosse sua ânsia por produzir ou a vontade que tinha de mudar e expor um pedacinho de si a um pedacinho do mundo, naquele momento simplesmente não dava. Era como se toda a poeticidade que costumava se acomodar em seu interior estivesse se esvaído - saído sem deixar aviso prévio nem data de retorno. Há dias, a folha de papel à sua frente parecia inescrutavelmente vazia, ao mesmo tempo que o prazo de entrega do trabalho se tornava cada vez mais próximo.

O garoto se perguntava para onde teria ido sua inspiração, quando teve seu devaneio interrompido por uma vibração vinda de seu celular, seguida por outra. Levantou-se para pegar o aparelho e, vendo que se tratava de uma notificação de Aristóteles, sorriu involuntariamente. A primeira das mensagens não continha nada além de seu nome no corpo do texto. A segunda dizia “Você toparia dar uma volta?”

Dante nem precisou pensar muito antes de responder afirmativamente. Tinha consciência de que o bloqueio criativo não o deixaria produzir nada tão cedo, então por que não parar? Além disso, tanto ele como Aristóteles tinham estado bastante atarefados nos últimos dias, de forma que não tinham se falado muito, e Dante sentia falta do outro.

“Então desça, estou te esperando”, foi a mensagem que recebeu como resposta.

Certo, aquilo surpreendeu um pouco o menino. Rapidamente trocou as calças de pijamas por jeans, desceu as escadas, se despediu dos pais com um beijo no rosto, informando que sairia com Aristóteles e calçou os sapatos.

Ao abrir a porta para a varanda, Dante foi recebido pela brisa agradavelmente fresca da noite e pela picape de Aristóteles estacionada em frente a sua casa. Dentro da reluzente Chevy 1957 vermelho-cereja, através das janelas abertas, era possível ver o outro garoto, que acenou e ligou o carro. Apesar da luz fraca dos postes, sua pele amorenada e os cabelos crescidos pareciam se destacar.

- Boa noite, Ari - disse, enquanto entrava e se acomodava no banco do carona. O pendrive acoplado ao sistema de som do carro reproduzia uma melodia que Dante reconheceu como do U2, apesar de não se recordar da música.

- E aí. - respondeu, observando o outro desamarrar os cadarços e jogar os tênis no chão, ainda achava graça que aquela velha encrenca de Dante com calçados continuasse existindo.

- Algum motivo especial para esse passeio?

- Não exatamente. Eu estava entediado, queria fugir um pouco das coisas.

- Certo, eu também queria. Talvez devêssemos aproveitar enquanto ainda podemos.

- Talvez.

- Para onde vamos?

- Para o nosso lugar.

Dirigiram rápido, deixando a cidade, as obrigações e o mundo no qual viviam sem olhar para trás.

A pista que levava ao deserto estava vazia e parte do caminho foi feito num profundo silêncio, só os sons proveniente do carro e do vento eram ouvidos. Aristóteles apreciava aquele silêncio raro que pode compartilhar apenas Dante, o tipo que não te faz sentir desconfortável, mas sim compreendido e acolhido, mesmo na ausência de palavras.

Mas vez ou outra eles conversavam. Ari relatou ter visto uma notícia que informava a ocorrência de uma chuva de meteoros naquele dia, e que aquela era uma das verdadeiras razões de o ter convidado para sair. Dante admitiu sua saudade, contou sobre os treinos de natação e o trabalho que o preocupava.
Ora eles ligavam o som apreciavam as músicas, haviam criado a playlist juntos, de forma que esta era composta basicamente por sucessos do fim dos anos 80 e indies atuais. Às vezes cantavam alguma num dueto desafinado, rindo mais alto do que tudo, como fizeram com for him quando esta veio ao ar.

No ritmo que iam, não demorou muito até que a estrada os levasse à vazia imensidão do deserto, Aristóteles estacionou em seu lugar favorito, o mesmo de sempre, e os garotos desceram da caminhonete. Deitaram-se na traseira da picape e ficaram lá, de mãos dadas, apenas observando o céu noturno e sentindo a liberdade que aquele momento os proporcionava.

Seria algo bonito de se ver: só Aristóteles, Dante e as estrelas.

Dante comentou que da próxima vez traria o telescópio, e Ari concordou que seria uma boa ideia, mas sinceramente, eles não importavam de verdade. Não se importavam com nada. Nem os problemas, as preocupações, ou a poluição luminosa. Só eles apreciando a paisagem, os meteoros - que não demoraram a aparecer - e a presença um do outro era mais que suficiente. Sentiam-se como se nunca mais fossem precisar de nada além disso.

Comunicavam-se através de palavras, olhares, beijos ou carícias. No silêncio da noite clara de verão, seus universos particulares se intercediam e traziam consigo tantas possibilidades e segredos a serem descobertos que Dante não teve mais dúvidas: ele já tinha sua inspiração, e ela estava bem ali, ao seu lado, ao seu redor.


Comentários

Postagens mais visitadas