MEMÓRIAS NÃO PÓSTUMAS

Yasmin Santos Almeida (Curso Técnico em Mecânica Integrado ao Ensino Médio) Revisão textual: Rivana Zache Bylaardt (Professora de Língua Portuguesa, de Literaturas de Língua Portuguesa e de Língua Espanhola)

Ao relembrar meu processo de “encontro” com Brás Cubas é preciso, inicialmente, ressaltar o fator responsável por esse acaso, a dedicatória de Brás ao verme. Já tinha ouvido falar sobre as peculiares obras machadianas, porém, essa, em especial, tomou toda minha atenção. Lembro-me como se fosse ontem. Uma colega de turma do oitavo ano comentava sobre o livro, naquele momento senti intensa curiosidade, afinal, quem dedica suas memórias ao primeiro verme que seria responsável pela decomposição do próprio corpo? E ali entendi que Brás Cubas já era um homem morto. Pedi a ela o livro emprestado e após algumas semanas realizei a leitura. Admito que estava repleta de ansiedade, assim como admito que durante a leitura senti aversão por Brás, ele odiava a vida, já eu, sinto amor por ela.

No entanto, preciso reconhecer que em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, Brás, o narrador de suas próprias memórias, dispõe de grande sagacidade e ousadia ao contá-las após a morte, desfrutando de tamanha criatividade, e é por essa audácia que eu, uma jovem do século XXI, tomarei esse clássico como inspiração para contar minhas próprias recordações. Pois bem, como autora de minhas memórias não quero esperar tanto tempo para contar, rememorar e revisitar minhas lembranças, uma vez que o processo de olhar para elas me leva à reflexão sobre os motivos de minha existência.

"Meu caro leitor", eu, ainda em vida, dedico minhas memórias à trajetória de vida que ainda irei percorrer, aos sonhos que irei realizar e a cada desafio presente nesta caminhada. Afinal, diferente da vida de Brás Cubas, vivi dezenove anos de minha vida, dezenove anos que valem a pena ser contados, neles senti as mais variadas emoções. Futuramente, retornarei para contar mais memórias verdadeiras, pois busco apreciar a vida da forma mais intensa que ela pode me proporcionar.

Começarei pelo ano da grande decepção: 2016. Eu tinha 15 anos, estava no meu último ano do Ensino Fundamental e tinha um sonho: entrar para o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) para cursar o Ensino Médio. Foi um ano de grande dedicação, abdiquei de alguns momentos de lazer, e, por fim, não passei na seletiva. A partir de então, comecei um processo de superação desse acontecimento. Sinceramente, não sabia o que estava por vir, mas decidi que apesar do descontentamento teria de seguir em frente.

Início de 2017, muitas coisas incertas, me encontrava melancólica, não nego que queria sentir uma espécie de antipatia pela vida, porém, a sensação de falha me afastou desse possível sentimento. Comecei a cursar meu primeiro ano na escola Ceciliano Abel de Almeida, mas após duas semanas decidi que não permaneceria mais ali; fui transferida para a Escola Viva, onde eu passaria nove horas do meu dia, era uma escola de tempo integral. Mas foi exatamente com essa mudança de planos que comecei a entender um pouco mais sobre a vida, passei a ver o mundo com outro olhar, agora um olhar calmo, já sabia que não tinha como voltar atrás; paciente, no fim das contas não podia intervir nos caminhos da vida, também notei que por mais que eu quisesse direcionar meu destino, ele já não estava mais sobre as minhas mãos. Foi assim que passei a descansar meu coração, me apeguei à certeza de que recomeços, sonhos e surpresas estavam por vir. A partir de então, me tornaria uma nova jovem. Só que dessa vez com mais desejo, com novos planos e preparada para as mais intensas emoções, foi justamente nesse momento que comecei a sentir a vida e decidi tornar-me uma experimentalista do que é intitulado viver. Com o passar do tempo, o rumo dos meus objetivos também mudaram e aquele gosto de decepção ficou para trás, resolvi tentar outra vez, me inscrevi novamente no processo seletivo do Ifes, enfim, fui aprovada!

Iniciou-se 2018, escola nova, agora era a escola dos meus sonhos, um sonho realizado. Primeiro ano de Ifes e descobri um dos amores da minha vida, um amor intelectual, a Filosofia. Hoje em dia faço parte do Projeto de Pesquisa de Filosofia do Instituto, resultado de muita dedicação e dos meus conflitos internos presentes nesta trajetória. No mesmo ano, participei do Jifes, um evento de jogos dos Institutos Federais, quando representei o Campus São Mateus na modalidade xadrez, fruto do meu aprendizado do ano anterior, através de um grupo de amigos formado por seis garotos inteligentes. Reconheço que foi um período de grandes alegrias e realizações! Porém, em 11 de julho, perdi uma pessoa muito importante, meu tio Marcelo, aos 36 anos de idade, faleceu; a causa foi uma doença chamada Anemia Falciforme. Senti pela primeira vez o luto, ali me encontrei experimentando mais uma das sensações da vida. Não direi que é fácil ou simples, mas, sim, que é uma experiência necessária, afinal, todos perderemos alguém um dia. E assim, caminhei para mais um ano.

Então 2019, um ano muito aguardado, em 24 de agosto eu completaria meus tão esperados dezoito anos de idade! E os dezoito chegaram! Descobri com a chegada da maioridade que poucas coisas mudam, continuei dependente dos meus pais financeiramente, a ideia de ingressar na universidade ainda estava longe e também não houve muitas comemorações, mas recebi uma festa surpresa dos meus amigos. Pois bem, já respondo por mim. Sobre 2019 não há muito o que dizer, apenas que me tornei legalmente “adulta”.

Estou em 2020, os meses passaram rapidamente, a última vez que fui à escola foi há seis meses. O motivo é porque estou vivenciando uma pandemia, gerando uma desconstrução no sistema social humano. Neste período a sociedade está cumprindo isolamento social e muitas coisas mudaram, não há mais ensino presencial em minha cidade, os locais de comércio então com restrições, as pessoas usam máscaras e aguardam o desenvolvimento da vacina.

Preciso confessar que não sou mais a mesma desde esse ocorrido, sinto constantemente preocupação com minha família e amigos, percebo que meu rendimento como aluna já não é mais o mesmo, meu emocional também está instável, o que me resta é ter paciência.

Por isso, “meu caro leitor”, escrevo esta memória do meu quarto amarelado, ainda em minha cama, numa madrugada de quarta-feira, com saudade de ir ao meu Campus, de ver meus amigos e de abraçar as pessoas que tanto amo. Hoje, escrevo esta recordação para olhar, analisar e relembrar os últimos anos incríveis de minha vida, com muitas alegrias e tristezas, conquistas e superações, para dizer a mim mesma, autora de minhas próprias lembranças, que este período difícil também irá passar, para dizer que ainda tenho muitos motivos para prosseguir e contar minhas vivas memórias.

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