MESMO NA FICÇÃO, A HUMANIDADE

Ana Clara Santos Mauri (Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Ensino Médio)
Revisão textual: Rivana Zache Bylaardt (Professora de Língua Portuguesa, de Literaturas de Língua Portuguesa e de Língua Espanhola)

Não fazia nada demais, estava apenas em meu quarto, quando olhei para minha estante e bateu uma saudade de ler um romance. Lembrei que, em abril, eu resolvi que queria reler a saga de Kiera Cass, intitulada A Seleção. Era tarde da noite, e eu estava deitada em minha cama enquanto lia o segundo livro da série: A Elite.

O ambiente geral da história é que há um país chamado Iléa, onde a sociedade era dividida em 8 castas. Era uma monarquia e o rei e rainha planejaram fazer uma competição – chamada “A seleção” – para escolher quem seria a mulher que se casaria com o príncipe, Maxon. Tudo acontece enquanto América Singer conta a sua visão dos fatos e os desafios de pertencer à seleção de disputar o coração de um príncipe com mais outras 34 garotas dentro de um palácio.

Já no segundo livro que eu estava lendo  restavam apenas seis garotas para disputar a mão de Maxon e a coroa. No meio do livro, aconteceu algo que eu acho até hoje a cena mais impactante daquelas páginas: quando uma das concorrentes e amiga da protagonista, chamada Marlee, leva chicotadas por simplesmente amar. Acontece que há uma prescrição onde nenhuma das candidatas poderia flertar ou se relacionar com outros homens durante A Seleção. Porém, em um baile de Halloween, pegaram Marlee beijando um guarda e, por isso, sofreram a pena de levar chicotadas e serem rebaixados à última casta.
É uma cena triste, revoltante e ao mesmo tempo cheia de sentimentos.

Enquanto eu estava lendo aquilo, chorava porque conseguia sentir a dor de três personagens que tinham posições diferentes naquele momento. Primeiro, a de América, que compadecia da dor se sua amiga que estava sofrendo apenas por amar, embora tivesse assinado um contrato onde jurava fidelidade ao príncipe até que a seleção acabasse. Segundo, da própria Marlee, da dor em suas mãos e das cicatrizes que ficariam depois, da vergonha que sofreu em rede nacional, da preocupação que seria ter sido rebaixada a uma casta onde ficavam os marginalizados. Também senti um pouco de pena do próprio príncipe, Maxon, que fez de tudo para que eles não fossem mortos – e depois também deu um jeito de ajudá-los – porém tinha que cumprir seu dever dentro de sua posição e penalizá-los de alguma forma, por mais que não quisesse.

Agora, pensando sobre isso, não consigo deixar de refletir sobre o que é certo e o que é errado nessa história toda. Mas as coisas têm que ser exatamente apenas certas ou erradas? O que seria exatamente o certo e o errado?

Consegui enxergar várias problemáticas dentro do livro: a forma que o rei tinha feito da Seleção uma farsa e violentava seu próprio filho, o preconceito, as próprias castas, a rivalidade feminina, a violência e o descaso com a população. Além disso, a própria autora pecou ao estereotipar demais os personagens principais e secundários. Eu não me lembro de nenhum personagem negro ou acima do peso durante a saga.

Dentro desses problemas, uma coisa que me deixou revoltada foi o sistema de castas que era imposto dentro do livro. Mesmo não sendo real, eu senti o quanto cada casta te prendia em um meio social onde você só saía caso casasse ou em um caso muito raro. A primeira casta, por exemplo, era a monarquia e figuras religiosas, o topo, mas os que estavam na oitava, e última casta, eram abandonados ou órfãos sem meios de provar sua casta. Me doeu o coração quando eu li sobre as crianças e viciados que viviam nas ruas, tendo que viver ali quase que sem esperança, pois esse foi o destino imposto a eles.

E será que nós estamos tão longe desse sistema de castas apresentados nesse mundo distópico e fictício? Considerando que na nossa sociedade atual seu futuro depende de você, mas também de quão longe vão seus privilégios, eu acredito que nem tanto. Quem nasce pobre, dificilmente vai sair desse meio por falta de oportunidades, quem nasce rico não vai abrir mão de suas vantagens.

E por que o príncipe foi obrigado a aplicar penas tão violentas contra Marlee e Carter – o guarda que se relacionou com ela? Não consigo aceitar que essas demonstrações de poder com violência são as mais corretas. Tanto que, enquanto eu lia a saga, os “rebeldes” eram um tópico muito tratado durante o livro.

Eu li sobre como os rebeldes estavam cansados da monarquia, das castas, da violência, da injustiça com a sociedade e o descaso do rei. Aos poucos, eles foram percebendo que a seleção era na verdade apenas um show para acalmar os nervos da população. A cada momento, a cada hora que a revolta aumentava mais, a violência desse ato também, resultando até mesmo em mortes. Rebatiam a injustiça e violência do governo da mesma forma que eles tratavam o povo, e isso é outra coisa que não foge da nossa realidade.

Também comecei a pensar mais sobre as coisas que fazemos por paixão. Claro que, em um livro cheio de romance, as coisas podem ser um pouco mais exageradas, mas ainda assim há casos reais onde as pessoas deixam o dever e até mesmo a razão simplesmente por estarem apaixonados. Eu não preciso ir longe para confirmar isso.

Mesmo assim, não consigo deixar de enxergar a beleza na paixão. Quando eu li aquilo e percebi que Marlee, mesmo sendo torturada, achava conforto no olhar de Carter e tinha esperanças da vida pois poderia viver com ele, entendi o quanto o amar pode ser o ato mais puro e ao mesmo tempo perigoso que existe.

Pensando mais a fundo sobre A Elite e toda a saga, percebi algo que não tinha notado enquanto lia: mesmo a ficção tem um pouco da nossa realidade, pois ainda há um toque humano nela. E a humanidade sempre deixa rastros.

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