Amor passageiro

Autor: Filipe dos Santos de Souza (Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Ensino Médio)

São seis e dez da manhã. Estou no ônibus 371, ainda meio sonolento e pensando no sonho que tive com a moça que sempre embarca no ponto em frente àquela sorveteria. Ela sempre embarca no 373, pois costuma estar mais vazio e usa o uniforme daquela escola particular muito cara. 

O céu amanheceu bem nublado, tão escuro que impediu o sol de raiar, e os postes da avenida principal ainda estão acesos. Ir para a escola sempre é chato, ainda mais quando todos os meus amigos faltam por conta da chuva que está por vir. O ônibus que costumava estar cheio, quase sem espaço até para dar um suspiro, está vazio, com apenas meia dúzia de alunos e alguns outros poucos passageiros. 

Para completar o dia, acho que a moça do 373 também irá faltar. Não poderei admirar sua beleza, de longe. Às vezes imagino como seria sua voz, seu nome, seu cheiro... Enfim, esses mistérios que jamais serão respondidos me fazem ficar louco pensando nela. 

O ônibus chegou no ponto dela, e ela estava lá, ouvindo música no headphone que custa o preço de um rim e mexendo no celular de última geração dela. Uma menina como essa nunca notaria um pobre rapaz da periferia da cidade como eu. 

Dessa vez o ônibus está vazio, a moça não esperou pela chegada do 373 e embarcou no 371. Nem consigo acreditar que, pela primeira vez, estou de perto aquela moça que sempre encheu a minha mente dos mais variados mistérios. 

Ela entra no ônibus e passa pela roleta. Nesse momento, eu estou em transe  e não consigo parar de encarar a moça. Aquela cabelo castanho, aqueles olhos cor de mel e aqueles lábios grossos são a combinação perfeita para fazer meu coração acelerar feito um carro de corrida. 

A moça senta-se na cadeira vaga ao meu lado, olha nos meus olhos, esculpe um sorriso e fala: "Bom dia! Qual o seu nome?" Nesse momento eu já nem sei se realmente havia acordado. Seria isso apenas uma parte do meu sonho? A sensação de ter desse déjà vu é inexplicável. 

Após um breve momento calado, sem entender aquela situação, eu respondo com a voz trêmula, completamente nervoso: "Fi... Filipe. E o seu?" 

Ela percebe o nervosismo e continua o diálogo: 

- Meu nome é Joana. 

- Lindo nome. 

- Sim! Meus pais me deram esse nome em homenagem à Joana D'Arc. 

A voz da Joana é tão doce, mais do que eu imaginava. Soa como Clair de Lune, de Debussy. Com o coração ardendo me paixão, continuo o diálogo: 

- Interessante. Sou apaixonado pela Revolução Francesa. 

- Também sou. É tanto que escuto músicas da época, especialmente Beethoven. Sempre imagino as batalhas da Era Napoleônica ao som da Quinta Sinfonia. 

- Você também escuta música clássica? 

- Sim. Meu compositor favorito é o Tchaikovsky. E o seu? 

- O meu é o Liszt. 

Ela me olha sorrindo enquanto conversamos sobre música clássica e me hipnotiza de modo a me fazer esquecer que tenho vários problemas a serem resolvidos. Ela é como um porto seguro. 

A conversa sobre autores clássicos estava fluindo, até que em certo ponto ela profere: 

- Eu penso em termos de música...

- Você conhece essa frase? 

- Sim. De Albert Einstein, certo? 

- Exato! Sou apaixonada pelas teorias da Física. 

- Também sou. 

A esse ponto, eu já estou tão apaixonado que precisaria usar a equação de Schrödinger, caso precisasse achar a posição dos meus sentimentos, que estavam nas alturas. 

A conversa continua por alguns minutos. Ela fala em Charles Darwin, eu falo em Lavoisier. Ela fala Schopenhauer, eu falo em Nietzshe. Ela fala em Marx, eu respondo com Mises. Divergimos em alguns pontos e concordamos em outros, e sempre respeitamos as opiniões. 

Após meia hora de conversa, o ponto de Joana se aproxima. Antes de se despedir, a moça anota meu número de telefone, e fica me olhando. Nesse momento, a conversa perde seu lugar para uma mudez. Dois bobões se encarando e sorrindo. Ela aproxima a face dela à minha e me beija apaixonadamente. 

Quanto a moça desce em seu ponto, atinjo um clímax de alegria enorme, intenso. Embarcar no 371 nunca foi tão emocionante. 

Difícil é acreditar que um dia nublado pode trazer a felicidade de alguém. 



Comentários

Postagens mais visitadas