Extraordinariamente comum

Autora: Ruth Sales Firme Moreira (Curso Técnico em Mecânica Integrado ao Ensino Médio)

Era uma sexta-feira normal, mas não igual às outras. Como sempre, na hora de ir embora, peguei meu ônibus, o IFES x UFES, que é famoso por ser lotado de gente. Cheguei em casa no mesmo horário de todos os dias, às 19h20. Costumeiramente, abri o portão com um pouco de dificuldade, em função de a maçaneta estar com problema, aquele tipo de problema que tem na casa, mas a gente enrola para resolver, até que o naturalizamos em nosso dia a dia.

Entrei. Percebi uma movimentação meio estranha no quintal; quando fui ver, era meu padrasto com três amigos vindos da Bahia, Teixeira de Freitas, mais especificamente. Um deles, homem feito, e os outros dois, homens feitos também, mas extraordinariamente. Como eu queria me referir a estes do mesmo modo que me refiro aos meus colegas de classe, chamá-los de "meninos".

Conversa vai, conversa vem e eu descubro que os dois homens-meninos (eu os intitulei assim para mim mesma, a fim de não esquecer que ainda têm muita coisa a viver), com seus vocabulários diferentes, sem norma culta, trocando adjetivos entre si, os quais normalmente eu não usaria com um familiar, são primos e trabalham para o homem adulto, o qual também é primo dos dois. Alimentar-se junto de alguém costuma matar não somente a fome física.

Ainda no diálogo, um me disse que tinha 17 e o outro 18 anos. "Eu vou ser pai.", diz o de 17. "Eu queira estudar para ser advogado, mas demora muito. Cinco anos, me disse um amigo!", fala o de 18. Não digo que este não enxerga a importância dos estudos, mas afirmo que, para ele, o tempo é significativo. Um sentimento de superioridade intelectual perturbador me tomou naquele momento. O refrigerante que eu tanto gosto e aquela carne de porco, a qual uma mineira da gema aprecia, já não estava mais tão gostosa assim.

"Lá na Bahia...", "Eu já dormi no mato!", "Não converso com a minha madrasta", relata o de 18 anos; "Eu nem tenho mãe e pai, fui criado com um, com outro e é isso aí...", diz o futuro papai. E quando eu falava de algo que costumo falar com amigos, este mesmo me dizia: "Rapaz, você tá falando inglês pra mim, viu?" e ria. Ria do quê?" Do meu "inglês" ou dele mesmo? Intimidada pela simplicidade, não me atrevi a perguntar qual era a graça.

Me senti como quem sabia demais de duas pessoas que mal havia conhecido. Se sabia mesmo, eu não sei. Mas me achei no direito, naquele momento, de inferir que sim. Eles falavam, riam, se amavam xingando um ao outro, riam, falavam, olhavam. Riam. Olhavam. O que olhares tão marcados olham? Tomara que as marcas não tenham embaçado a visão introspectiva e a longa distância deles.

A crônica se personificou nos homens-meninos bem diante de mim. Simples e direta, do jeitinho do comportamento deles. Todo tem um grau de complexidade, sim. O lugar dela nesse conjunto todo fica nas fases que eles passaram, pela forma que vivem, e um pouco, em comparação à vida deles, ao fazer crônica.

Crônica... Eu sou crônica eu posso ter sido e, quem sabe, serei, assim como, num descuido, os dois homens-meninos viraram crônica. E as coisas na vida, depois de passadas e vividas, também, da mesma maneira que eles vieram à minha casa, nos conhecemos, comemos juntos, conversamos e fomos embora.




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