O assalto

A pandemia estava no início, a Tcherlys me pediu para buscar a Dona Luzia, que fazia faxina na nossa casa. Fui, prontamente! Desacatar um pedido dela não é recomendável, e também seria mais seguro para todos. Cheguei em frente à casa da Dona Luzia pontualmente, às 7h45. Comecei a bisbilhotar o celular, sem prestar muita atenção no que estava vendo, quando ouvi umas três batidas na janela do carro. Olhei, despretensiosamente, tomando um enorme susto no segundo seguinte.

- Desce, desce!

Sim, era um assalto. Ele segurava uma arma, bem enferrujada, aliás.

- Deixa tudo aí, irmão! Desce logo!

Veja você, ele me chamava de irmão. Saí do carro, um outro rapaz já se ajeitava na poltrona do carona.

- Tira a aliança, irmão! Passa logo!

Forcei tentando arrancar aquela circunferência dourada o mais rapidamente possível do meu dedo. O menino estava mais nervoso do que eu e colocava o revólver na minha têmpora.

- Anda, cara, anda!!

Note você, ele já não estava mais me chamando de irmão. Péssimo diagnóstico.

- Calma, estou colaborando, mas dei uma engordadinha com essa pandemia.

Depois de muito forçar, consegui retirar a aliança. Ele pegou, acelerou o carro, cantando os pneus, e desapareceu. O portão abre:

- Uai, Marcelo, cadê o carro? Pergunta Dona Luzia. Olho para ela com uma cara de desânimo. Nem precisei responder.

Cheguei em casa, tranquilizei a Tcherlys, que estava desesperada. Eu estava bem, isso era o mais importante. Ela concordou e me deu um forte abraço.

Os dias foram passando, estávamos conversando em casa: eu cortando legumes, ela do meu lado. Parou, enrugou a testa, colocou a destra sob o queixo, e perguntou, quase indignada:

- Marcelo, cadê a sua aliança?


Autor: Marcelo de Oliveira Duarte (Técnico em Enfermagem)

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Comentários

  1. Adorei. Marcelo sendo Marcelo.

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  2. Excelente! A literatura ganha, ainda que em meio a uma perda material do escritor.

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    1. Pois é Rodrigo, passado o susto e a perda, ficou a história

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  3. Respostas
    1. Albeniz, até hoje não, sou cobrado por isso frequentemente...rsrs

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  4. Interessante em ler a contribuição, mesmo sendo um pouco revoltante entender que está tem sido a realidade do país nos últimos anos.

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    1. Ei Luiz Rafael, quanto tempo! Que bom que gostou. Abraços!

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